Macunaíma, um herói sem nenhum caráter

Publicada em 1928, Macunaíma, um herói sem nenhum caráter consolidou-se enquanto cânone da literatura brasileira. As peculiaridades contidas e significadas no e através desse texto literário dialogam com um contexto histórico do Brasil da década de 1920 e refletem diretamente na imagem do país constituída dentro e fora de sua geografia, sob uma perspectiva cultural, político-ideológica e identitária. Considerando a relevância da abordagem histórica de Macunaíma para a compreensão do repertório lexical, sobretudo das lexias culturalmente marcadas que desafia a leitura da referida obra, apresentamos a seguir um levantamento das condições, influências e fatores sócio-históricos do seu processo de produção.

Processo de criação

Em suas férias na chácara do seu tio Pio Lourenço em Araraquara/SP Mário de Andrade, conforme sinaliza em prefácio, realizou a primeira redação de Macunaíma “[...] em seis dias ininterruptos de rede, cigarros e cigarras [...]” (1º Prefácio/ ANDRADE, 1978, p. 226), cuja datação, segundo Telê Ancona (1978), corresponde ao período entre 16 a 23 de dezembro de 1926. Até chegar a versão que o autor da rapsódia considerou definitiva, publicada em 1928, o texto passou por alguns ajustes e complementos.


Em carta a Alceu Amoro Lima, Mario de Andrade sinaliza

Legenda da imagem
"Mário na rede" (Lasar Segall, 1929. Ponta-seca sobre papel, 32 x 25,5 cm. Acervo Museu Lasar Segall – Ibram/Ministério do Turismo)
"Mário na rede" (Lasar Segall, 1929. Ponta-seca sobre papel, 32 x 25,5 cm. Acervo Museu Lasar Segall – Ibram/Ministério do Turismo)
“[...] em seis dias e o livro estava completo. Só faz três meses mais ou menos inda ajuntei mais uma cena. Mas poli e repoli tantas vezes que careci recopiar três vezes o original. Na verdade o que sai publicado é a quarta redação!” (FERNANDES, 1963, p. 31).

Macunaíma é resultante de um longo processo de coleta de dados, leituras e reflexões de Mário de Andrade. Esses foram realizados no decorrer de suas vivências em viagens que fizera pelo Brasil, nos contatos estabelecidos com diferentes intelectuais, comunidades, culturas e no acesso a um conjunto de literaturas nacionais e estrangeiras.

Tal afirmação justifica-se pelos registros epistolares e anotações que Mário de Andrade fazia, cujo costume se configura como peculiaridade do estilo do escritor. Em Edição Crítica de Macunaíma, a Professora Telê Ancona sinaliza que: “[...] nosso escritor [Mário de Andrade] trabalhava com fichas, feitas com páginas de caderninhos de bolso, nelas anotando assuntos ou trechos de interesse, numerando-as de forma a localizar com facilidade as obras que lhe serviram de fontes [...]” (ANDRADE, 1978, p. 292)

Edição crítica de Macunaíma, por Telê Porto Ancona Lopez (1978)
Esta obra é um tesouro histórico que reúne fac-similes de capítulos, prefácios das primeiras edições de Macunaíma, variantes, ilustrações, trechos de cartas e comentários da organizadora Profa Telê Ancona. Este trabalho é fruto de uma longa e hérculea pesquisa filológica.

A gênese: influencias na música